Os olhos de Leonardo Vieira, que tremiam, e os punhos cerrados entregavam sua raiva. Já havia perdido a noção de quanto tempo estava na fila e não conseguia se lembrar da última vez em que ela se moveu. O pior é que não havia onde pudesse sentar e teria que ficar o tempo todo em pé, e se saísse da fila, as outras pessoas jamais deixariam ele voltar, teria que retornar ao final e começar tudo de novo. Definitivamente ele não aguentaria esperar ali outra eternidade.
Ele segurava em suas mãos trêmulas um papel dobrado. A todo o momento, olhava por cima do ombro da pessoa à frente e o tanto de outros ombros que podia ver adiante eram incontáveis. E para trás também haviam muitas pessoas.
Ainda bem que não sou o último, pensou ele, ou daria um jeito de sair daqui. Ele se achava um cara esperto, mas não era modéstia, realmente era muito esperto. Em toda sua vida, mesmo quando começou como assessor político, se mostrou um cara inteligente. Envolveu-se em muitos esquemas e sempre tirava vantagem de onde era possível. Enriqueceu rapidamente e, em poucos anos, já havia sido vereador, prefeito e era um promissor candidato a deputado federal. Foi quando teve um problema no coração.
Ding-dong, fazia o alarme do guichê de tempo em tempo, mas a fila se movia menos vezes do que soava o barulho. E isso o deixava ainda mais nervoso. Quanta gente nojenta, pensava torcendo o nariz.
Em vários momentos, durante seu tempo de espera, ele se perguntava se a fila do sistema público de saúde era como aquela. Ele nunca precisou esperar tanto tempo para ser atendido em lugar algum, muito menos em hospitais, já que tinha os melhores médicos à sua disposição, quando quer que fosse necessário.
Quando a doença o atingiu, ele teve que passar mais tempo nos hospitais do que em casa, ou no clube que gostava de frequentar. E quando a notícia se espalhou, milhares de eleitores, que desconheciam ou ignoravam sua desonestidade, ficaram comovidos. E ele gostava disso, era como se fosse um deus, não por causa de seus milhares de seguidores, e sim por se achar melhor e superior que toda aquela gente.
Outro tanto incontável de tempo passara e haviam poucas pessoas à sua frente. Apesar de todo o nervoso, sentia-se aliviado por já estar quase em sua vez. Ele receberia o tão esperado carimbo em seu papel e seria finalmente encaminhado, seja lá para onde fosse.
De onde estava, já podia ver a placa luminosa com uma seta indicando o guichê. Já podia ver a atendente com um sorriso, exibindo seus dentões amarelos, que não se desfazia por nenhum momento. Já podia ver o carimbo subindo e descendo, marcando os papéis que as pessoas carregavam. Sua vez era próxima… Mais algum tempo e seria ele a se livrar daquele fardo. Leonardo só não sabia quanto tempo. Aliás, não havia relógio ali, nem com ninguém.
Que merda! Onde foi parar meu Rolex? Pensou enquanto massageava o pulso esquerdo. Apalpou a calça à procura de bolsos, mas eles não existiam. Olhou desconcertado para o próprio corpo. Vestia uma bata hospitalar azul claro. Merda! O que é isso? Mas que porra de lugar é esse? Sua mente tornou-se um turbilhão, porém algumas pequenas lembranças pousavam em sua mente, como pousa uma pena que se solta de um pássaro que voa. Estou no hospital, estou no hospital, estou no hospital… repetia para si mesmo franzindo a testa, de onde brotavam pequenas gotículas de suor.
Ding-dong!
— Próximo! — chamou a moça do guichê que portava um par de óculos fundo de garrafa e o mesmo sorriso de antes. Leonardo se aproximou com um enorme desconforto e entregou sua ficha de papel amassada, já amarelada pelo tempo. Escorou-se rancoroso no guichê e evitou encarar a moça nos olhos para que não fosse contagiado pelo sorriso; queria demonstrar seu descontentamento.
— Seja bem vindo à Cia Fogo Eterno. É um enorme prazer tê-lo aqui com a gente, senhor… — Ela afastou um pouco o papel dos olhos para enxergar melhor o nome do político — … senhor Leonardo. Eu só preciso carimbar sua ficha e então o senhor poderá já retornar ao final da fila para começar outra vez. Parabéns e obrigado por estar aqui!
Uma veia saltou no pescoço de Leonardo, pois ele acabara de se dar conta do que acontecia. Frustrado com sua condenação, fechou seu punho e em um impulso, socou o vidro do guichê com toda a sua força. O vidro permaneceu intacto, mas sua mão parecia ter se partido em dor.
— Eu não quero continuar nessa fila maldita, por favor, eu quero o fogo eterno! Por favor! — gritou.
— Não há fogo de verdade aqui, senhor — disse um dos dois brutamontes que arrastava o pobre condenado, que se debatia e ia perdendo a memória, de volta ao fim da fila. — É só uma metáfora.
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